Doenças raras afetam 13 milhões
A espera por um diagnóstico de saúde geralmente é angustiante. Mas, em alguns casos a descoberta pode trazer mais dúvidas do que esclarecimentos. É o que costuma acontecer com pessoas portadoras de doenças raras – um universo de aproximadamente 13 milhões de brasileiros, de acordo com a Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM).
Entender o que é a doença e o que ela demanda pode ser difícil quando há poucos especialistas que conhecem a enfermidade e quando a rede pública de saúde não acolhe o paciente. “Quais medicamentos estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS)?”, “O que fazer para adquiri-los?”, “Há outras terapias disponíveis?” são algumas das dúvidas mais comuns após o diagnóstico.
Esse universo era desconhecido para o advogado Bruno Hatschbach até chegar às suas mãos o caso de Bruna, uma criança portadora de Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN), que teve de recorrer à Justiça para conseguir a medicação de alto custo necessária para o tratamento. Sensibilizado, Hatschbach decidiu fundar a Associação Nacional de Doenças Raras e Crônicas (Andora), organização não-governamental cujo objetivo é prestar assistência gratuita a pessoas que sofrem de doenças raras.
“Quando um paciente procura a Andora, esclarecemos sobre a doença e mostramos que tipo de necessidade ele tem, desde orientação nutricional até localizar o protocolo do SUS que pode dar suporte à doença. Por se tratar de condições raras, há maior dificuldade de acesso à informação e aos tratamentos disponíveis”, observa.
Dificuldades
Enfermidades não são raras pelo inusitado de seus sintomas, mas sim porque acometem um número reduzido de pessoas. O conceito utilizado pelo Ministério da Saúde é o mesmo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS): raros são aqueles distúrbios que afetam até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos.
Devido aos poucos casos e, na maioria das vezes, aos sintomas semelhantes aos de enfermidades já conhecidas, é comum que pacientes encarem uma longa peregrinação por consultórios médicos até conseguir o diagnóstico correto. À descoberta, segue-se uma segunda batalha: o tratamento.
“A maior parte das doenças raras é diagnosticada por médicos geneticistas. Mas o Brasil possui um quadro pequeno desses especialistas em comparação com o número ideal indicado pela OMS. Outra dificuldade é a demora em disponibilizar um protocolo e medicamentos na rede pública. O processo de registro de novos tratamentos é muito demorado”, explica Hatschbach.
Assistência
Pacientes conseguem medicamento gratuito após decisão judicial
Greice Alcantarilla, 39 anos, tem uma boa história para contar graças à Andora. Diagnosticada ainda na adolescência com Hipercolesterolemia Familiar, doença caracterizada pelo alto nível de LDL (o colesterol “ruim”) no sangue, ela conviveu durante anos com um LDL superior a 300 mg/dL (o normal é 100 mg/dL) e o risco elevado de entupimento de vasos sanguíneos, enfarte e acidente vascular cerebral. Resistente à medicação comum fornecida pelo SUS, ela não conseguia baixar os níveis de colesterol.
Greice procurou a Andora com o sobrinho, então com 16 anos, também portador da doença. A associação prestou orientação e judicializou a solicitação de um novo medicamento ao Ministério da Saúde, mediante apresentação de prescrição e realização de perícia médica. O processo durou oito meses, mas, no fim, ambos conquistaram o direito de receber o remédio gratuitamente. “Em um mês de tratamento, meu colesterol baixou 100 mg/dL”, comemora.
Araci Fernandes, 78 anos, também recebeu ajuda da Andora. Com o mesmo diagnóstico de Greice, não sabia onde buscar tratamento. Orientada pela associação, passou a receber a medicação adequada em casa. “Eles me procuraram, pediram meus exames e alguns documentos e trataram de toda a burocracia para aquisição do remédio. Nem acreditei quando recebi o primeiro pacote na minha porta”, conta. O remédio consumido por Araci custa algumas centenas de reais ao ano. Não fosse a Andora, ela não teria condições de fazer o tratamento.
Recorrer à justiça só em último caso
Quando necessário, a Andora também oferece assistência jurídica gratuita a portadores de doenças raras. Porém, o advogado Bruno Hatschbach, fundador da associação, destaca que só se recorre à via judicial em última instância, quando esgotam-se todas as alternativas para conseguir o tratamento. Das mais de 300 pessoas que a Andora atende, apenas 40 casos foram levados à Justiça. “Há um problema de judicialização excessiva. O poder público é demandado em excesso, mas a maioria das ações não solicita um tratamento indispensável, mas um medicamento ou tratamento mais moderno. Não é o foco da Andora. Se existe tratamento na rede pública, orientamos por esse caminho”, explica Hatschbach.